‘Usufruto de ruínas’, de Whisner Fraga, e as marcas da pandemia

Ao longo de quase 80 contos curtos, Usufruto de ruínas, novo livro do escritor e crítico literário Whisner Fraga, sintetiza de forma crítica e precisa a pandemia e seus efeitos. As narrativas transitam por diversas temáticas e estabelecem um relevante panorama sobre anos que foram marcados por perdas, desespero, conflitos e negligência.

Publicada pela Ofícios Terrestres Edições, a obra acompanha personagens em meio às mudanças abruptas impostas pela chegada do novo vírus. Agora, eles passam a lidar com o isolamento social, o constante desgaste nas relações, o desemprego, o medo e a violência.

A ficção se aventura pela psicanálise

Com o passar dos anos, os diálogos com a psicanálise se tornaram mais explícitos em diversas obras literárias. Um bom exemplo é “O complexo de Portnoy”, clássico do estadunidense Philip Roth publicado em 1969. No romance, o advogado Alexander Portnoy aborda, no divã, traumas ligados a questões como a infância repleta de superproteção materna, a adolescência resumida a constantes masturbações, o casamento desfeito e a impotência sexual.

Mais recentemente, a literatura brasileira voltou a se aten

Um tributo à leitura - Rascunho

A paixão por livros e literatura impulsiona há séculos o surgimento de obras que tratam desse tema, algumas, inclusive, escritas por autores célebres, como Virginia Woolf e Umberto Eco. No Brasil, um dos exemplos mais recentes é A biblioteca no fim do túnel – Um leitor em seu tempo, do jornalista especializado em literatura Rodrigo Casarin.

Há, por exemplo, discussões bem-humoradas sobre tópicos que acompanham leitores há tempos: devo ou não fazer anotações no meu exemplar?

“Caixa d’água”, de Febraro de Oliveira: delicadezas submersas

No dia 9 de fevereiro de 2022, o corpo de Matheus Cavalcante Cunha, um homossexual de 22 anos, foi encontrado numa caixa d’água em Itaituba, no sudeste do Pará. O jovem estava submerso e com roupas abaixo do joelho. A história percorreu o país e causou comoção, angústia e revolta, especialmente por não se tratar de um caso isolado. Naquele mesmo ano, 273 pessoas LGBTQIAP+ foram assassinadas no Brasil, de acordo com dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. No ano passado, foram 25

Do humor ao existencialismo: os 30 anos de carreira de Orlandeli

Chego à cafeteria às 14h56. Orlandeli me espera logo na entrada. Está sentado à mesa, atento ao cardápio. Após um aperto de mão, sugiro nos sentarmos no canto mais afastado. Temo que as conversas das mesas ao redor atrapalhem o bate-papo ou causem problemas no momento de ouvir e transcrever a entrevista.

Em 2024, Orlandeli completa 30 anos de carreira. Das tirinhas publicadas no Diário da Região até se tornar um dos principais nomes dos quadrinhos brasileiros, seu trabalho tem sido marcado por

Lilia Guerra: 'Para mim, música é literatura'

Com capítulos curtos e uma rara habilidade para construir cenas e elaborar diálogos verossímeis, Lilia Guerra, que também é auxiliar de enfermagem em São Paulo, constrói uma narrativa poderosa, com personagens e tramas que “vêm meter o pé na porta do cenário literário brasileiro”, como disse o escritor José Falero na quarta capa do livro.


A autora conhece muito bem espaços como Fim-do-Mundo, sabe o que é ficar horas no transporte público para chegar ao trabalho e, principalmente, acredita que

O caos como fonte de criação - Rascunho

Agora, ele prepara Antropofágico amor, livro de encerramento de uma trilogia que, segundo o próprio autor, vem da necessidade de fazer um balanço sobre sua vida. “Meu irmão, eu mesmo é um projeto que já tem 30 anos e parte exatamente do período em que houve a revelação, a descoberta da minha infecção por HIV e do câncer linfático do meu irmão. Mas o primeiro, Pai, pai, não estava nos meus planos e acabou sendo ele o responsável por deflagrar toda a trilogia”, conta.
• Em Meu irmão, eu mesmo, voc

"A Síndrome de Roach", de Fernando Cândido, e a subversão da realidade

Em determinando momento, por exemplo, interrompe as sessões de terapia com medo de ter suas ideias roubadas pelo analista. E por falar nisso, a psicanálise é um elemento bastante relevante no livro, com referências a conceitos freudianos e lacanianos – sem cair no didatismo ou na roupagem “cult” tão comum à literatura contemporânea.

Em meio à loucura crescente e à desesperança de seu personagem central, o romance é uma sutil e eficiente metáfora sobre temas que vão da alienação do trabalho ao e

“O céu para os bastardos”, de Lilia Guerra: as muitas vivências do Fim-do-Mundo

Apesar do trauma, Sá Narinha sabe muito bem que para os pobres não existe pausa para recuperação. Por isso, segue no trabalho indigesto como se nada tivesse acontecido. Tem como refúgio, por outro lado, o samba, as conversas com os vizinhos, a leitura e as anotações que faz em um caderninho, sonhando com o dia em que consiga publicar um livro.

Numa das muitas cenas emblemáticas da obra, inclusive, chega a expressar esse seu desejo a um renomado escritor para quem trabalhou por um período. A res

“1+1=2 2-1=0”, de Fernanda Caleffi Barbetta, tudo o que cabe no abandono

Luiza é uma daquelas personagens que se instalam na memória e ali permanecem. Chega acanhada, por vezes confusa, mas não demora a revelar sua visão particular, delicada e dolorida do mundo ao seu redor. É ela a protagonista de “1+1=2 2-1=0”, de Fernanda Caleffi Barbetta, livro vencedor do Prêmio Cepe de Literatura na categoria romance.

Não demora a chegar o momento em que Luiza é descartada. Após ser convidada pela “tia” para um passeio, é abandonada na porta de um orfanato. Ali, enquanto respo

À sombra de um fantasma - Rascunho

A tarefa, no entanto, não é das mais simples. Maristela já está exausta de viver à sombra de um fantasma, em meio a leitores que a enxergam como uma espécie de continuação da mãe e a editores dispostos a lucrar ao máximo com as palavras escritas pela autora já falecida.

Na condição de narradora, Maristela proporciona aos leitores a oportunidade de conhecer Olívia Guerra para além do mito, sem que para isso tenha que se render às pressões da espetacularização. Sua perspectiva, aliás, caminha na

Solidão e redescoberta em “Bakken”, de Julia Barandier

Antônio, protagonista de “Bakken” (7Letras), demonstra ser um personagem complexo já nas primeiras linhas do livro de estreia de Julia Barandier. Parece entender sua atual situação com clareza, mesmo que por vezes tente negá-la. Finge não ter saudades, para depois se desmentir. Esconde emoções, para mais tarde evidenciá-las – e quase sempre com uma dose de autoflagelo.

O personagem central do romance é um brasileiro de meia idade que acaba de se mudar para Copenhagen, na Dinamarca, com o objeti

Religiosidade, memória e possibilidades ditam 'Oração para desaparecer' - Pensar - Estado de Minas

As primeiras explicações vêm de seus salvadores. As mais importantes dizem que sua chegada já estava prevista e que ela faz parte do que chamam de ressurrectos, “pessoas que iam morrer, mas que por um triz escaparam e voltaram à vida em outro lugar”.

Esse último aspecto é perceptível ao longo de toda a obra (especialmente no que diz respeito aos Tremembés e à geografia) e é capaz de proporcionar uma imersão ainda maior por parte dos leitores. Um exemplo bastante interessante é o do fato que ins

Traumas e afetos em “As sete mortes do meu pai”, de Humberto Conzo Junior

A história avança de forma não linear entre momentos de presença e de ausência do pai, enquanto o personagem-narrador recorda acontecimentos felizes e traumáticos da infância, as experiências amorosas, as primeiras vezes em que dirigiu, o período de faculdade, o casamento e as festas de família.

Em cada uma das fases, os personagens assumem novas camadas, ganham mais complexidade e estabelecem novas dinâmicas de relação. Aqui, o medo, o carinho e a indiferença também norteiam os curtos capítulo

Vazio e silêncio em “Brancura”: livro de Jon Fosse, ganhador do Nobel, é lançado no Brasil

Brancura, livro do recém-laureado com o Nobel de Literatura, Jon Fosse, chega em breve ao Brasil pela Fósforo Editora, com tradução de Leonardo Pinto Silva. Com produções consideradas intimistas, o norueguês costuma abordar a angústia em suas obras, além de explorar a introspecção, o silêncio e aquele tipo de absurdo que consagrou o teatro de Beckett e Ionesco. Aliás, vale dizer, Fosse também é um dramaturgo bastante prestigiado, com dezenas de peças encenadas no mundo todo.

Após se perceber is

“O Exorcista”: as principais diferenças entre o clássico de 1973 e o livro que deu origem ao filme

Embora o roteiro também tenha sido escrito por William Peter Blatty, longa apresenta algumas alterações importantes na história

Desde que foi anunciado, O Exorcista: O Devoto tem gerado muitas expectativas, especialmente depois da divulgação de trailers e comentários de profissionais envolvidos na produção. O filme é dirigido por David Gordon Green (de Halloween Kills e Halloween Ends) e conta a história de duas meninas, Angela (Lidya Jewett) e Katherine (Olivia O'Neill), que desaparecem em uma

Dona da própria narrativa - Rascunho

Em meio a traumas e violências que parecem apontar para o eterno retorno, Helena, protagonista de História para matar a mulher boa, de Ana Johann, aos poucos encontra a coragem para confrontar a realidade e, enfim, fazer o que deseja. Para isso, precisa enfrentar um inconsciente capaz de sabotar várias de suas tentativas, já que se livrar dos ensinamentos de uma família conservadora, da culpa imposta pela religião e, sobretudo, da brutalidade do machismo não é tarefa fácil.

Já nas primeiras pág

Micheliny Verunschk e Marcelo Labes abordam violências do Brasil

Um crime brutal cometido por uma família de fanáticos religiosos e a descoberta de documentos sobre a Segunda Guerra Mundial, a ditadura militar e o integralismo são os respectivos pontos de partida dos novos livros de Micheliny Verunschk e Marcelo Labes. Além de bem escritas, as obras têm em comum as temáticas ligadas à violência, especificamente aquela impulsionada pelo avanço de pautas conservadoras no Brasil.

Em “Caminhando com os mortos” (Companhia das Letras), Micheliny Verunschk conduz l

Caixas do cotidiano pandêmico - Rascunho

A caixa aberta por Ana Paula Pacheco em Pandora é ainda mais ampla e difusa que a da mitologia grega. Abarca o cotidiano e o fantástico em um só tempo-espaço, numa narrativa em que o caos é utilizado como representante da potência e da assertividade.

O livro da autora de A casa deles e Ponha-se no seu lugar! é um excelente exemplo do quanto o romance experimental exige planejamento, técnica e uma justificativa para ser o que é. Não por acaso, a obra já demonstra ser provocativa e sedutora no pa
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